A superação de Si mesmo e a edificação da Harmonia
Sérgio Gomes da Silva Marsala – Psicólogo Clinico
O homem vive constantemente no redemoinho da angustia e, é justamente este estado que o denuncia em sua condição de DE-VIR, um vir-a-ser, nossa incompletude.
Quando há de superarmos o aprisionamento de nosso Ser na angustia, para nos lançarmos na liberdade serena da Harmonia?
A resposta para este questionamento, deve ser construída com um outro questionamento inserido em uma outra pergunta.
O que é HARMONIA?
Para Leibniz (1646 – 1716) a Harmonia foi predisposta por DEUS no ato da criação, o que permite a inteiração entre corpo e alma. Sendo o corpo sujeito a lei mecânica, já a alma, à sua própria espontaneidade. Whitehead, valendo-se de Ravaisson, recorre a Harmonia “para explicar a beleza, a verdade, o bem, assim como a liberdade e a paz e toda a grande aventura cósmica”. No que afirma que a liberdade somente pode ser vivida pelas civilizações mais altas. “... a liberdade, em cada um de seus muitos sentidos, é a exigência de uma vigorosa auto-afirmação”. (1)
Encontramos aqui a relação e mesmo o hiato que separa o homem da Harmonia. O homem somente conquistará a harmonia quando conquistar a SI MESMO.
Herculano Pires (1915 – 1979) o grande pensador espírita, ao defender sua tese sobre uma ONTOLOGIA INTEREXISTENCIAL, propõe-nos uma reflexão para a superação do homem fechado em sua prisão consciencial, logrando assim, a abertura de seu pequeno mundo para o grande Mundo através da espiral da IPSEIDADE.
Para Herculano somente o serenista será capaz de vivenciar este estágio. “A serenidade é essa fusão afetiva do homem com o Todo, não em sentido abstrato, mas concreto, que encontramos nos místicos e nos grandes artistas, para os quais uma gota de orvalho tem a grandeza de uma estrela e o pipilar de um pássaro é a própria música das esferas”. (2)
A serenidade, a harmonia do Mundo não pode ser sentida pelo homem aprisionado em seu pequeno mundo regido pelos anseios egoísticos.
A dor, as enfermidades, a relação inautêntica são danos que o homem produz em si mesmo, lançando-se em um labirinto de tramas tecidas por seu egoísmo e vaidade. Eis, a necessidade de estarmos a vencer a nós mesmos para então, poder sentir em profusão a estesia da harmonia.
Heidegger (1889 – 1976) o grande pensador da floresta negra, recorrendo ao etmo da palavra gótica “wunian”, alerta-nos para o sentido desta: “wunian diz: ser e estar apaziguado, ser e permanecer em paz”. (3) Porém, o homem não se completa na morte como pensava Heidegger, a realidade do existir do homem é justamente a realidade de seu inter-existir.
O Espírito imortal criado simples e ignorante experencia múltiplas existências e, através de seu livre arbítrio, busca a superação do orgulho nocivo que o remete a uma condição de falibilidade. É na superação deste orgulho nocivo, através da queda que o homem lançar-se-á na auto-afirmação do Ser virtuoso.
Já o psiquiatra suíço, C. G. Jung (1875 – 1961) relata-nos em sua obra A prática da psicoterapia que: “Segredo e contenção são danos, aos quais a natureza reage, finalmente por meio da doença (...) Esconder sua qualidade inferior, bem como viver sua inferioridade, excluindo-se, parece que são pecados naturais. E parece que existe como que uma consciência da humanidade que pune sensivelmente todos os que, de algum modo ou alguma vez, não renunciaram à orgulhosa virtude da autoconservação e da auto-afirmação e não confessaram sua falibilidade humana”. (4)
Jung deixou para a posteridade a investigação das psicopatologias como decorrência dos desajustes do Espírito que através de inúmeras etapas palingenéticas traz os registros, as marcas de seu desequilíbrio. Assim sendo, não é propriamente uma consciência da humanidade que pune sensivelmente o homem que carrega consigo débitos e tenta ocultá-los, mantendo-os em segredo, mas sim, o fato de estar escrita em nossa consciência a Lei de DEUS, como bem diz os Espíritos a Kardec em o Livro dos Espíritos. (perg. 621) Onde esta escrita a lei de Deus? R. – Na consciência. (5)
O homem que é um Espírito imortal encerrado nos grilhões do corpo físico, edificará a paz íntima experenciando a Harmonia Celestial do CRIADOR da vida quando se reconhecer pedagogo de si mesmo, ou seja, reconhecendo-se prisioneiro e escravo de si mesmo, para que assim sendo seja capaz de se conduzir para a auto-educação, tendo como caminho os preceitos do Cristo, que segundo Herculano foi o maior dos Serenistas.
(1) ABBAGNANO, Nicola - Dicionário de filosofia. 2ª. Ed. Editora Mestre Jou.
1982.
(2) PIRES, Herculano - O ser e a Serenidade – Ensaio de Ontologia Interexistencial.
3ª. ed. Edições Nosso Lar. 1999.
(3) HEIDEGGER, Martin - Ensaios e Conferências. Ed. Vozes 2ª ed. 2002.
(4) JUNG, Carl Gustav. A prática da psicoterapia. Ed. Vozes. Obras Completas vol.
XVI/I. 1ª ed. 1981.
(5) Kardec, Allan. O livro dos Espíritos. Tradução J. H. Pires. Ed. Lake. 1997.